UNEGRO - União de Negras e Negros Pela Igualdade. Esta organizada em de 26 estados brasileiros, e tornou-se uma referência internacional e tem cerca de mais de 12 mil filiados em todo o país. A UNEGRO DO BRASIL fundada em 14 de julho de 1988, em Salvador, por um grupo de militantes do movimento negro para articular a luta contra o racismo, a luta de classes e combater as desigualdades. Hoje, aos 33 anos de caminhada continua jovem atuante e combatente... Aqui as ações da UNEGRO RJ

sábado, 17 de setembro de 2011

Saúde da População Negra










O perigo que nos ronda
Às vezes somos surpreendidos por descobertas que se destacam nas ciências da saúde, principalmente nos últimos 50 anos. tratamentos que possibilitam maior qualidade de vida para quem sofre de doenças até consideradas incuráveis

SEMPRE SE QUESTIONOU SE EXISTE REALMENTE MAIOR INCIDÊNCIA DE CERTAS DOENÇAS ENTRE OS NEGROS. Males como anemia falciforme, aneurisma da aorta, câncer de próstata, diabetes, hipertensão, glaucoma e miomas – as quais, diferentemente da AIDS, são consideradas hereditárias – têm sido bastante discutidos na área médica. A questão dá margem ao debate da relação entre “raça” e doença. Mas, será que faz sentido falar em “doenças raciais”? O estudo do seqüenciamento do genona humano já permitiu chegar aos halotipos (os fatores que levam cada indivíduo a ter predisposição genética), que poderão ajudar a desvendar os genes responsáveis por várias doenças. O que existe de novo nos tratamentos desses males ditos raciais?

GLAUCOMA
O glaucoma representa uma das principais causas de cegueira irreversível no mundo. É uma doença causada pelo aumento da pressão ocular que pode resultar em danos irrecuperáveis ao nervo óptico, levando à perda lenta e progressiva da visão. Esse mal pode ser detectado somente por um exame oftalmológico cuidadoso, em que o especialista mede a pressão intraocular e o exame do fundo de olho. Pessoas da raça negra têm maior predisposição (quatro vezes mais) de serem afetadas pelo glaucoma em relação às da raça branca. No mundo todo, inúmeras pesquisas estão sendo realizadas para esclarecer quais são as verdadeiras causas do glaucoma, melhorar os meios para se chegar aos diagnósticos e tornar o tratamento eficaz e mais fácil. Uma companhia de Taiwan desenvolveu com sucesso uma recente invenção – a Matriz Colágeno, que aumenta significativamente o índice de sucesso para cirurgia não apenas de glaucoma, mas de outras operações oftálmicas. O Implante de Matriz Colágeno OculusGen (R) foi aprovado por quatro hospitais universitários, tanto em Taiwan como na China. Na maioria dos casos o glaucoma progride lentamente sem que o paciente perceba a perda gradual da visão lateral. Em algumas raras ocorrências os sintomas oculares são bem definidos, como, por exemplo, dor nos olhos ou ao redor deles à alteração da visão, como halos coloridos. O risco de contrair glaucoma aumenta com a idade, e é mais comum após os 40 anos. Além disso, pessoas com casos de glaucoma na família estão mais propensas a contrair a doença, por isso têm de ser examinadas periodicamente pelo oftalmologista.

DOENÇA FALCIFORME
Antigamente era considerada doença fatal, e os pacientes morriam antes de completar 30 anos. Isso ocorria por causa de infecções, insufi ciência renal e cardíaca e trombose. Considerada um “erro celular”, a anemia falciforme é uma doença que no futuro poderá ser combatida com a tecnologia desenvolvida a partir da Biologia Molecular, conhecida como siclemia ou sicklemia, e foi descoberta em 1904 por um
médico americano, ao atender um estudante negro com fraquezas e dores de cabeça. Ao examinar uma amostra de sangue do paciente, ele percebeu que as células vermelhas estavam diminuídas pela metade, e que havia grande número de corpúsculos fi nos, alongados e em forma de foice. O portador do traço genético falciforme nem sempre desenvolve a doença, para que isso aconteça é preciso que o pai e a mãe apresentem o problema. Os glóbulos vermelhos que contêm a hemoglobina também sofrem mutação e adotam a forma de foice, por isso o nome anemia “falciforme”. Esse mal faz os glóbulos vermelhos perderem a elasticidade, causando microenfartos em diversas partes do corpo. Uma provável mutação genética que aconteceu na África há milhões de anos pode ser a causa desse tipo de anemia. A freqüência é maior entre os negros, e atinge 4 em cada 1.000 indivíduos no mundo. Parece pouco, mas em certas regiões da África a presença do gene pode chegar a 40% da população negra; nos EUA e em Cuba, a média de vida das pessoas que sofrem desse mal é de 56 anos. No Brasil o gene dessa anemia afeta 6% da população brasileira, ou pouco mais de 11 milhões de pessoas, e a média de vida oscila entre 18 e 21 anos, mas é alta a taxa de mortalidade de crianças falcêmicas menores de 5 anos. Considerando-se negros e pardos, o índice sobe para 10% – 8 milhões de pessoas. Mas foi da África que chegou o primeiro remédio: Jérôme Fagla Médégan, médico de Benin, descobriu uma fórmula que permite prevenir a doença. O VK 500 permitiria aos glóbulos vermelhos recuperarem a forma original e salvar perto de 200 mil africanos que nascem, por ano, com esse mal. O remédio à base de plantas só foi utilizado in vitro. Até então se usava analgésicos, transfusões de sangue regulares, que não atacavam o problema na raiz. A produção do remédio logo será iniciada: um laboratório na França aceitou produzilo depois que o Instituto Francês de Propriedade Industrial concedeu a Fagla Médégan a patente pela descoberta. A prevenção no tratamento dessa anemia é fundamental.

MIOMAS
Estudos com mulheres negras e brancas revelaram a prevalência de miomas em 41,6% das mulheres negras. Muito confundido com o cisto, um não é sinônimo do outro. O cisto, que lembra uma bexiga cheia de líquido, se localiza no ovário, enquanto o mioma é um tumor sólido que ocorre no útero. Já existe no Brasil um método sem cortes que usa o calor para eliminar esses tumores benignos que surgem no útero de metade das mulheres brasileiras em idade fértil. O Hospital Barra D’Or, no Rio de Janeiro, colocará em funcionamento o primeiro equipamento que combate o problema com ondas de calor e sem cortes cirúrgicos. A técnica associa um aparelho de ultra-som, que dispara ondas de alta freqüência, a outro de ressonância magnética, que fornece imagens do interior do útero para guiar a aplicação a pontos específi cos dos miomas. O procedimento aumenta a temperatura nos tecidos que formam o tumor a cerca de 100 graus, levando-o à destruição. Desde 2005, a FDA, agência americana que regulamenta procedimentos de saúde, estuda a utilização desse tratamento para outros tumores, como câncer de próstata.


CANCÊR DE PROSTATA
Se o câncer de mama ou do colo do útero é o terror das mulheres, a contrapartida para o sexo oposto está no não menos temido câncer de próstata que tem relação direta com a idade, quantidade de testosterona, hereditariedade, raça, alimentação e país de origem. Os homens negros têm maior predisposição genética para desenvolver câncer de próstata. Nos Estados Unidos, demonstrouse que as chances de um negro ter câncer de próstata são duas vezes maiores que a de um branco. No Brasil, em estudo com 470 homens, o especialista na área, dr. Edson Paschoalin, professor da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, de Feira de Santana (BA), verifi cou que os negros tinham nove vezes mais chances de contrair esse tipo de doença. A Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Paraná e a Sociedade Brasileira de Urologia já pesquisam um remédio à base de isofl avona de soja, para o tratamento e a prevenção desse câncer. O remédio já está em fase de produção no Brasil. Estudos recentes indicam que os fermentados de soja têm um tipo de isofl avona mais efi ciente do que as encontradas em grãos. Com base nisso, a Unicamp desenvolveu um processo de fermentação, patenteado pela Steviafarma. A previsão de lançamento é de dois a três anos. Está envolvido no projeto um grupo de 24 pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá e da Steviafarma. Os núcleos de Saúde e prevenção afi rmam que a maioria dos homens desconhece onde está localizada a próstata e qual a sua importância. Tudo o que escutam sobre o assunto basta para afastá-los do exame de prevenção. Mas um dos grandes riscos do câncer de próstata está no fato de a doença não apresentar sintomas na fase inicial, justo quando há chances de curas. Hoje, com o diagnóstico precoce, esse mal pode ser tratado com cirurgia ou com radioterapia. Para identifi cá-lo, além do toque retal, os urologistas submetem os pacientes à coleta de sangue, para que o PSA, substância produzida pela próstata, seja dosado. Em caso de suspeita, é feita uma biópsia, procedimento no qual se colhe uma amostra, de tecido ou células, para posterior estudo em laboratório.


HIPERTENSÃO ARTERIAL
A Hipertensão Arterial Essencial (HAE) e os fatores de risco cardiovasculares têm um elevado índice na população, e é mais freqüente em indivíduos de etnia negra. Com alguns sintomas graves e outros imperceptíveis, muitas pessoas que não sabem que estão com a doença permanecem assim por vários anos. Já quando sinais e sintomas específi cos aparecem, em geral, revelam uma lesão extensa e grave do sistema vascular (que inclui o coração, as artérias e veias), causando infartos e dores no peito, além de, às vezes, sobrecarregar ainda os rins. Elevações ocasionais da pressã
o também podem ocorrer com exercícios físicos, nervosismo, drogas, alimentos, fumo, álcool. Cerca de 40% de casos de ataque do coração e 50% de casos de infarto ocorrem entre 6 horas e meio-dia. Um estudo mostrado no último encontro da Sociedade Européia de Hipertensão defi ne que a substância telmisartana oferece proteção durante a manhã, quando é maior a elevação da pressão arterial, responsável pelo aumento nos riscos de ataques do coração e infartos.


DIABETES
Provocada pela defi ciência de produção e/ou de ação da insulina, a doença leva a sintomas agudos e a complicações crônicaste. O distúrbio envolve o metabolismo da glicose, das gorduras e das proteínas e tem graves conseqüências. Hoje se constitui em problema de saúde pública pelo número de pessoas que apresentam esse mal, principalmente, no Brasil. Os tipos conhecidos da doença são Mellitus tipo I: destruição da célula beta do pâncreas, com a defi ciência absoluta de insulina; Mellitus tipo II: causado
por um estado de resistência à ação da insulina associada à relativa defi ciência de sua secreção; a Gestacional: a doença é diagnosticada na gestação, em paciente sem aumento prévio da glicose. Mas há outras formas de Diabetes Mellitus quando há as desordens genéticas: infecções, doenças pancreáticas, por uso de remédios ou drogas. O Brasil se dedica ao estudo do diabetes, ao controle e às pesquisas. Um estudo relacionado à mudança de hábitos, à reeducação alimentar e aos exercícios físicos constatou que o nível de açúcar no sangue abaixa e assim a pressão arterial e o colesterol também fi cam controlados. Esses fatores permitem a prevenção de possíveis complicações da doença, por exemplo, a do tipo 2: infarto do miocárdio e outros males coronarianos. O National Institute of Health (NIH), em Maryland, nos EUA, liberou 2,1 milhões de dólares para ser usados por uma equipe da Universidade do Texas, em Austin (EUA), para desenvolver uma cápsula oral de insulina que substituirá as injeções diárias. Espera-se que esteja no mercado em cinco anos.


SERÁ QUE A RAÇA É A CULPADA?
De acordo com a professora Silviene Fabiana de Oliveira, do Departamento
de Genética e Morfologia da Universidade de Brasília, “as pessoas acham necessário classifi car todas as coisas e utilizam essa palavra de forma simplista”, ressaltando ainda que os indivíduos não devessem nem mesmo ser classifi cados em raças, citando também o erro de, rotineiramente, ser feita a afi rmação de que alguns têm predisposição para adquirir alguma doença por conta da cor de pele. Igualmente para a genética de populações não faz sentido falar em doenças “raciais” porque “o uso médico de distinções raciais tende a perpetuar racionalizações pseudocientífi cas de diferenças entre grupos humanos. Certamente há diferenças distintas de saúde entre as ditas categorias ‘raciais’, mas isso tem muito menos a ver com genética do que com diferenças culturais, de dieta, status social, acesso aos cuidados médicos, à marginalização social, discriminação, estresse e outros fatores. Alguns médicos defendem que o conceito de raça seja banido da medicina brasileira. Enquanto a discussão acontece em nível intelectual, as novas descobertas científi cas podem ser a esperança para algumas das doenças ditas “características” da raça negra.




fonte: POR SONIA NASCIMENTO/ ILUSTRAÇÃO SÍLVIO/REVISTA RAÇA BRASIL/unegro-Volta Redonda



quinta-feira, 15 de setembro de 2011





Resumo: O presente trabalho é uma versão atualizada e ampliada do artigo publicado no primeiro numero da Revista Digital do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e se propõe à análise da compatibilidade das políticas de ação afirmativa e de cotas para afro-brasileiros implantadas pelo Estado brasileiro com o ordenamento jurídico internacional e nacional. Após exposição e comentários à legislação interna e aos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos com recorte racial ratificados pelo Estado brasileiro, à doutrina e aos julgamentos de alguns casos apreciados pelo Poder Judiciário, conclui-se pela compatibilidade das referidas políticas com o sistema legal brasileiro e a necessidade de que sejam ampliadas e aperfeiçoadas.


Palavras-chave: políticas públicas, ação afirmativa, cotas, negros, afro-brasileiros, direito, constitucionalidade, direitos humanos, direito constitucional, sociologia jurídica, ciência política.



"Todos os animais são iguais perante a lei,


mas alguns animais são mais iguais que outros"


(A Revolução dos Bichos, George Orwell)


I. Introdução


A questão racial no Brasil tornou-se foco das atenções da sociedade e do Estado, notadamente após o presidente Fernando Henrique Cardoso reconhecer em 1995 que havia racismo e desigualdades raciais no país, ato que se fez acompanhar das primeiras políticas públicas específicas para a população negra cujo objetivo era a modificação deste quadro. Apesar de essas medidas terem sido produto das denúncias e das reivindicações históricas e atuais do movimento negro e de setores progressistas da sociedade civil, a implantação de políticas, programas, projetos e ações governamentais de caráter afirmativo para negros resultaram em uma polêmica há muito não vista. Pode-se dizer que um dos principais momentos dessas discussões ocorreu quando da implantação, no ensino público superior, de reserva de vagas para negros na UERJ, na Por exemplo, em 2003, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no momento da efetivação das matrículas dos alunos aprovados no primeiro Exame Vestibular na UERJ e na UENF com cotas raciais, recebeu de candidatos brancos preteridos por alunos pretos e pardos beneficiados por esse sistema, mais de 200 mandados de segurança individual [02], bem como o deputado estadual Flavio Bolsonaro, pelo Partido da Frente Liberal – PFL (atual Democráticos) propôs duas representações objetivando a declaração de inconstitucionalidade das referidas leis estaduais [03]. Alguns meses depois, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) perante o Supremo Tribunal Federal – STF, financiada pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado no Estado do Rio de Janeiro [04].


Há mais: a ampliação das iniciativas governamentais no campo das ações afirmativas para negros, como por exemplo, a concessão de benefícios fiscais para universidades privadas que adotem cotas raciais (Programa Universidade para Todos – Prouni) [05], a regularização jurídica de terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, [06]e a criação de cotas para negros no serviço público municipal [07] etc. estão gerando novas demandas judiciais no STF e nos Tribunais de Justiça dos Estados [08], que precisam ser acomodadas por uma decisão final do STF.


No campo jurídico a questão está distante de pacificação e de consenso, haja vista, especialmente, a existência de ações judiciais que contestam a constitucionalidade dessas medidas afirmativas. Operadores do direito, professores e pesquisadores da área jurídica divergem sobre a pertinência e a constitucionalidade das políticas implantadas pelo Estado brasileiro por diversos motivos, dentre os quais pode-se citar: a violação dos princípios da igualdade, do mérito, da proporcionalidade, da Federação, da autonomia universitária e até mesmo a inexistência de critérios seguros ou científicos para identificar os beneficiários dessas medidas. Outras críticas são dirigidas aos critérios adotados por algumas universidades para selecionar e identificar os beneficiários das políticas afirmativas, como ocorre no processo de seleção da Universidade de Brasília.


Além disso, não podemos olvidar o diálogo insuficiente entre juristas e cientistas sociais no Brasil e que a carência de artigos, dissertações e teses que enfocam o assunto nas escolas de Direito tem colaborado para o parco desenvolvimento do tema direito - relações raciais. Nesse sentido, a jurista Dora de Lima Bertúlio, em uma reflexão sobre esse quadro, pontifica que:Na medida em que o conhecimento e a reflexão, indutores que são de nossa identidade, são componentes privilegiados da mudança de comportamentos, intervenção e julgamentos das pessoas em suas relações interpessoais e com o Estado, a carência de estudos e trabalhos sobre racismo, discriminação racial e direitos raciais da população negra permite perpetuar: a) os estereótipos racistas de incompetência do povo negro para se autogerir e desenvolver adequadamente nas sociedades contemporâneas (socialistas ou capitalistas); e b) o descaso do setor jurídico, na sociedade brasileira, para implementar direitos específicos que diminuam o impacto do racismo na qualidade de vida de quase 50% da população nacional (Bertúlio, 2003: 5).


A tendência generalizada de os currículos das faculdades de Direito serem por demais influenciados pela dogmática, pelo formalismo e pelo positivismo jurídicos consiste em outro fator que ratifica considerações dessa natureza. Além do mais, não é comum que os operadores do direito superem sua formação tradicional e dediquem-se a estudos que tratem das novidades doutrinárias introduzidas no próprio campo jurídico, e, especialmente, a leituras de obras da sociologia, da antropologia, da filosofia, e da ciência política.


Por outro lado, a questão sobre a constitucionalidade de políticas de ação afirmativa depende especialmente do paradigma jurídico com o qual o intérprete opera. Do ponto de vista do positivismo jurídico, por exemplo, a ausência do termo "ação afirmativa" no texto Constitucional impediria a criação e a implantação dessa política pelo Estado. Isso porque o positivismo jurídico opera exclusivamente com o método lógico-dedutivo, que, ao assumir os princípios da coerência e da completude do ordenamento jurídico, "procura a melhor norma jurídica dentre as normas positivas válidas, descartando assim considerações interpretativas sobre as demandas e necessidades humanas em uma sociedade" (Feres Júnior & Silva, 2006: 24). Ademais, e esse ponto é fundamental, como a maior parte das Constituições em vigor é de matriz liberal, e, portanto, baseada na proteção de direitos civis e políticos contra qualquer tipo de discriminação, justificar a discriminação positiva pela ótica positivista é virtualmente impossível.


O mesmo não pode ser dito a respeito do pragmatismo jurídico, paradigma que é essencial para a justificação legal da discriminação positiva. Não é simples coincidência histórica o fato de tais políticas terem sido instituídas pela primeira vez, no Ocidente, nos Estados Unidos, país berço da tradição pragmatista. "O método de operação do pragmatismo jurídico é conseqüencialista, isto é, o que importa no julgamento da legalidade de uma norma são os resultados de sua aplicação, seu caráter benéfico para a sociedade onde se aplica, e não a prova de sua dedução de uma norma positiva mais geral" (Feres Júnior & Silva, 2006: 25). A norma positiva importa, mas é apenas mais uma fonte entre os dados empíricos oferecidos pelas relações sociais.


Leve-se notar, entretanto, que o pragmatismo jurídico define um método, uma maneira de proceder, mas não o conteúdo do que é benéfico. "A adoção de políticas que operam com discriminação positiva só pode ser completamente justificada se, além do procedimento pragmatista, fizermos uma interpretação dos valores morais da sociedade em questão" (Feres Júnior & Silva, 2006: 25). Essa tarefa pode ser mais bem empreendida se sairmos do âmbito estrito da teoria do direito para o da teoria política normativa. Uma vez que essa transposição é feita, notamos que o paradigma positivista tem historicamente servido à posição liberal clássica, hoje também conhecida como conservadora, a qual alça a igualdade formal da lei acima da igualdade de fato no convívio social. Para autores dessa corrente, a igualdade formal funciona, de fato, como suporte para a expressão de capacidades e aptidões desiguais entre os homens.


Por fim, no contexto das divergências jurídicas, percebe-se entre alguns autores uma resistência incomum a essas políticas públicas quando direcionadas para a população negra, haja vista que eles não apresentam semelhante oposição às medidas afirmativas adotadas para pessoas com deficiência e para as mulheres, por exemplo. Algumas das opiniões emitidas por juristas conceituados podem facilmente ser consideradas discriminatórias e sugerem que ainda privilegiam uma visão freyreana da realidade das relações étnicas e raciais no Brasil.


II. Análise do sistema legal envolvido no debate jurídico sobre o tema ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil


II. I. O Direito Internacional e a Política de Ação Afirmativa


No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos - segmento especializado do Direito Internacional Público - há diversos instrumentos de proteção de direitos fundamentais que além de proibirem toda forma de discriminação, também prevêem a adoção de políticas de promoção da igualdade racial. Tais instrumentos – como tratados, convenções, pactos etc. – assumem uma dupla importância: consolidam parâmetros internacionais mínimos concernentes à proteção da dignidade humana e asseguram uma instância internacional de proteção de direitos, quando as instituições nacionais mostrarem-se falhas ou omissas.


Esses instrumentos, de observância obrigatória [09], têm aplicação imperativa no território brasileiro, após serem devidamente ratificados pela autoridade constitucionalmente competente, por força do disposto no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual:...os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.


No cenário do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o princípio de não discriminação tem aplicação destacada [10] e baliza toda a temática dos direitos econômicos, sociais e culturais. Esse princípio é caracterizado como uma garantia fundamental, porque se salienta nele o caráter instrumental, garantidor do direito de igualdade.


O referido princípio básico de não discriminação se encontra presente em quase os todos os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos fundamentais produzidos no século XX, dentre os quais destacamos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 2º); Pacto dos Direitos Civis e Políticos (artigos 2º, I, e 26); Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 2º); Convenção Européia de Direitos Humanos (artigo 14); Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 1, I); Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (artigo 2º); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção da OIT sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação, de 1958; a Convenção da UNESCO contra Discriminação na Educação, de 1960; e a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião ou Crença, de 1981.


Decorre ainda do referido princípio que se estabeleça um veto às discriminações, ou seja, que se tenha imposto o não diferenciar, que se imponha positivamente a obrigatoriedade de se dispensar tratamento igual a todos. Além disso, atualmente tem-se entendido que a articulação do princípio de não discriminação com a ação afirmativa resulta em inclusão social. É com essa perspectiva, por exemplo, que a Carta dos Direitos Fundamentais, recentemente adotada pela União Européia, admite que, para se conseguir a igualdade, o direito de não ser discriminado deve ser complementado pelo direito ao usufruto das medidas projetadas para garantir autonomia, inserção e participação na vida da comunidade.


Cançado Trindade assevera que o princípio de não discriminação está vinculado às políticas de ação afirmativa para grupos ou populações vulneráveis:



As políticas de ação afirmativa para grupos vulneráveis encontra-se diretamente vinculadas à luta pela prevalência do princípio da não discriminação (Trindade, 2002: 55)


Além disso, temos ainda o que Canotilho chama de "função de não discriminação" - uma das principais funções dos direitos fundamentais. Segundo esse constitucionalista lusitano, a partir do princípio de igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados numa Constituição, se assegura que o Estado trate os seus cidadãos como fundamentalmente iguais, e, por conseqüência, aplica-se a função de não discriminação a todos os tipos de direitos: aos direitos, liberdades e garantias pessoais; de participação política; direitos sociais e aos direitos à prestação. O autor observa que tal função se coaduna inteiramente à instituição de cotas:


É com base nesta função de não discriminação que se discute o problema das quotas (ex. ‘parlamento paritário de homens e mulheres’) e o problema das afirmative actions tendentes a compensar a desigualdade de oportunidades (ex. ‘quotas de deficientes’). É ainda com uma acentuação-radicalização da função antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos minoritários defendem a efetivação plena da igualdade de direitos numa sociedade multicultural e hiperinclusiva (‘direitos dos homossexuais’, ‘direitos das mães solteiras’, ‘direitos das pessoas portadoras de HIV’) (Canotilho, 2000: 386)


II. II. Aspectos Normativos Internacionais e Nacionais


No campo estritamente normativo, há um verdadeiro arsenal de regras que exemplificam ou respaldam a adoção de ações afirmativas no Brasil. Na ordem jurídica internacional, as diversas convenções, tratados, pactos e programas, além de proibirem toda forma de discriminação, também prevêem a adoção de políticas de promoção da igualdade, utilizando a expressão "medidas especiais" e "ação afirmativa". Destacamos, dentre outras:


I. Convenção sobre a Discriminação em Emprego e Profissão nº 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT [11]. O artigo 5º, 1, da referida Convenção, reza que:



As medidas especiais de proteção ou de assistência previstas em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho não são consideradas como discriminação


II. A Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino [12]. No caso,consciente de que incumbe conseqüentemente à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, dentro do respeito da diversidade dos sistemas nacionais de educação, não só proscrever qualquer discriminação em matéria de ensino, mas igualmente promover a igualdade de oportunidade e tratamento para todos neste campo". Com tal propósito estabelece no seu Artigo I: "para os fins da presente convenção o termo ‘discriminação’ abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino". No item 2, do mesmo Artigo, diz : "para os fins da presente Convenção, a palavra ‘ensino’ refere-se aos diversos tipos e graus de ensino e compreende o acesso ao ensino, seu nível e qualidade e as condições em que é subministrado


III. A convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. O artigo 1º, item 4, da referida convenção alude que não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos e indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.


IV. A convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW). Esta convenção no artigo 4o, item 1, considera que:


a adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento haverem sido alcançados


V. O Plano de Ação de Durban (2003), nos artigos 99 e 100, reconhece que o combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlataé responsabilidade primordial dos Estados, e incentiva aos mesmos a desenvolverem e elaborarem planos de ação nacionais para promoverem a diversidade, igualdade, eqüidade, justiça social, igualdade de oportunidades e participação para todos. Através, dentre outras coisas, de ações e de estratégias afirmativas ou positivas; estes planos devem visar a criação de condições necessárias para a participação efetiva de todos nas tomadas de decisão e o exercício dos direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais em todas as esferas da vida com base na não-discriminação. A Conferência Mundial incentiva os Estados que desenvolverem e elaborarem os planos de ação, para que estabeleçam e reforcem o diálogo com organizações não-governamentais para que elas sejam intimamente envolvidas na formulação, implementação e avaliação de políticas e de programas.


Insta os Estados a estabelecerem, com base em informações estatísticas, programas nacionais, inclusive programas de ações afirmativas ou medidas de ação positivas, para promoverem o acesso de grupos de indivíduos que são ou podem vir a ser vítimas de discriminação racial nos serviços sociais básicos, incluindo, educação fundamental, atenção primária à saúde e moradia adequada;


Na ordem jurídica brasileira, o legislador já editou leis e outros tipos normativos que reconhecem o direito à diferença de tratamento legal para diversos grupos considerados vulneráveis. As diversas normas jurídicas editadas não se referem ao termo "ação afirmativa" ou "medidas especiais", se bem que as leis editadas pelo Estado do Rio de Janeiro se referem ao termo "cotas". Os termos empregados são: "reservar" (por exemplo, na Lei no 9.504/97), "reservará" (por exemplo, na Carta Federal, o artigo 37, Inciso VIII) e "reservarão" (por exemplo, na Lei no 5.465/68 – "Lei do Boi" – já revogada). Nesse particular, na Constituição Federal de 1988, destacamos:


- o artigo o 1º, inciso III (princípio que resguarda o valor da dignidade humana);


- o artigo 3º, incisos I, III e IV (constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e erradicar a (....) marginalização e reduzir as desigualdades sociais...);


- o artigo 4º, incisos II e VIII (a República Federativa do Brasil, no plano das relações internacionais, deve velar pela observância dos princípios da prevalência dos direitos humanos e do repúdio ao terrorismo e ao racismo);


- o artigo 5o,, incisos XLI e XLII (consagra o princípio da igualdade; punição para qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, e, enuncia que racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei), e parágrafo 2º, consagrando a incorporação do direito advindos dos tratados internacionais;


- o artigo 7o, inciso XXX (no campo dos direitos sociais, proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil);


- o artigo 23, inciso X (combater (...) os fatores de marginalização);


- o artigo 37, inciso VIII (a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão);


- o artigo 145, § 1º (Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...);


- o artigo 170, incisos VII (redução das desigualdades (...) sociais) e IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País);


- o artigo 179 (a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei);


- o artigo 227, inciso II criação de programas (...) de integração social dos adolescentes portadores de deficiência.


Das leis ordinárias, destacamos:


- o decreto-lei 5.452/43 (CLT), que prevê, em seu art. 354, cota de dois terços de brasileiros para empregados de empresas individuais ou coletivas;



- o decreto-lei 5.452/43 (CLT), que estabelece em seu art. 373-a, a adoção de políticas destinadas a corrigir as distorções responsáveis pela desigualdade de direitos entre homens e mulheres;


- a Lei 8.112/90, que determina, em art. 5º, § 2º, reserva de até 20% para os portadores de deficiências no serviço público civil da união;


- a Lei 8.213/91, que fixou, em seu art. 93, reserva para as pessoas portadoras de deficiência no setor privado;


- a lei 8.666/93, que preceitua, em seu art. 24, inc. XX, a inexigibilidade de licitação para contratação de associações filantrópicas de pessoas portadoras de deficiência;


- a lei nº 9.029, de 13/04/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais, ou de permanência da relação jurídica de trabalho;


- a lei 9.504/97, que preconiza, em seu art. 10, § 3º, "reserva de vagas" para mulheres nas candidaturas partidárias.


- a Lei 10.639/93, que altera a lei 9.394/96, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".


Apesar de pouco comentado pela literatura especializada, o pioneirismo na criação de políticas de ação afirmativa no âmbito da educação pública superior, antes mesmo da edição das leis de cotas para negros do Estado do Rio de Janeiro, coube ao Governo Federal, em 1968, com a lei no 5.465/68. Essa lei que instituiu reserva de vagas, diz no artigo 1o:


Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.


Essa lei, ironicamente apelidada de "lei do boi", na prática acabava favorecendo os membros da elite rural brasileira e foi revogada em 17 de dezembro de 1985 pela lei nº 7.423, durante o mandato do ex-presidente da República José Sarney.


Outra iniciativa pioneira, igualmente pouco comentada, decorreu de sentença proferida pelo Poder Judiciário. O Ministério Público Federal, no Estado do Ceará, ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP no 990017917-00) pleiteando cotas para alunos egressos da rede pública de ensino na Universidade Federal daquele Estado. O juiz Federal que julgou a ação determinou, em setembro de 1999, que a referida Universidade, em nome do princípio da isonomia, reservasse cinqüenta por cento (50%) das vagas de todos os seus cursos para estudantes egressos da rede pública de ensino [13].


Neste ponto, é indispensável uma abordagem do tema em comento à luz do princípio da igualdade, a começar pela sua conformação no Direito Constitucional Comparado, que tem contribuído de forma substancial para o aprimoramento da implantação das políticas de ação afirmativa em diversos países.


II. III. O Princípio da Igualdade no Direito Constitucional Comparado.


Uma breve incursão no campo do Direito Constitucional Comparado nesse ponto do trabalho se faz necessária, porquanto as políticas de ação afirmativa que estão sendo implantadas no Brasil são originárias de outros países.


Cumpre destacar que a comparação de estruturas constitucionais não deve ser limitada a uma abordagem que privilegie a semântica das Constituições. Muitas vezes esse procedimento pode induzir o pesquisador a erro, levando-o a concluir pela existência de um consenso em torno de princípios, regras, institutos, de sistemas jurídicos totalmente diferentes. Portanto, deve-se evitar o mimetismo jurídico ou a importação automática de experiências estrangeiras. Nesse sentido, há uma necessidade imperiosa de a comparação não se limitar à dimensão formal, teórica, das estruturas constitucionais selecionadas. A ela deve estar automaticamente associada a dimensão prática, correspondente ao modo pelo qual são aplicados os dispositivos constitucionais confrontados.


O pressuposto de imperatividade da isonomia material em uma sociedade democrática inclusiva é o núcleo duro de toda a problemática da efetividade das políticas de ação afirmativa [14]. Por conseguinte, e ainda numa perspectiva global, a igualdade substancial representa em relação à igualdade formal uma clivagem essencial no entendimento do conceito de igualdade que, como é óbvio, está longe de ser indiferente para apreciação e interpretação do sistema jurídico no seu conjunto e das respectivas normas.


A insistência na questão da superação do paradoxo da igualdade formal versus igualdade substancial (ou material) no plano da igualdade de direitos e de oportunidades faz-se necessária, na medida em que o tema em discussão é contemporâneo às questões legisladas nas diversas Constituições e submetidas a tantos outros Tribunais Constitucionais.


A remoção dos obstáculos de fato ao exercício dos direitos fundamentais é a afirmação do princípio de igualdade concretizado através de critérios legais de tratamento diferenciador dos indivíduos, em função de parâmetros definidores da sua situação concreta. Melhor explicando, podemos afirmar que "à intervenção estatal hão-de presidir critérios de justiça distributiva conformando-se aquela pela medida e natureza das reais desigualdades fácticas existentes" (Prata, 1982: 93). O princípio da igualdade contém diretiva essencial dirigida ao próprio legislador: tratar por igual aquilo que é essencialmente igual, por desigual aquilo que é essencialmente desigual. A qualificação das várias situações como iguais ou desiguais depende do caráter idêntico ou distinto dos seus elementos essenciais (Gomes & Moreira, 1978: 68).


À guisa de contribuição, a Constituição da República da África do Sul pós-apartheid adotou medidas positivas com base no princípio da igualdade para proteger ou promover direitos de pessoas ou de grupos em situação de desvantagem decorrentes de discriminação, conforme consta do seu Bill of Rights .


fonte: OAB- Textos relacionados


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

UNEGRO/VOLTA REDONDA







Plano de Aula: Diversidade Étnico- Racial:


Consciência Negra na sala de aula (parte I e II)











plano de aula diversidade na sala de aulaTrabalhar a diversidade étnico-racial

não deve se restringir ao dia 20 de novembro, como já é conhecido

ela deve ser inserido no currículo escolar em todas as áreas do

conhecimento: língua portuguesa, história, geografia, matemática

, ciências e artes. Nesta série de post você ficará conhecendo um

pouco mais sobre esta temática e como trabalhar esta vasta cultura

em sala de aula.
A Diversidade Étnico- Racial, é uma questão que, infelizmente, ainda é

um tabu a ser quebrado em sala de aula, inúmeras inseguranças tomam

conta do educador. Muitos colocam a culpa na falta de material, mas há

uma gama de materiais sobre o assunto, apesar de muitos aparecerem

de forma não-explícita. Ainda há materiais que podem ser adaptados e

criados para contribuir para o enriquecimento do assunto.
O desenvolvimento deste projeto visa levar aos alunos as ferramentas

necessárias para que ele tenha consciência da importância e influência

da cultura africana na sociedade atual, visando a contribuição na

construção de sua personalidade, seja como afro-descendente ou não,

além de incutir o respeito a diversidade nas características físicas e

culturais.
Conhecer a raiz da história africana e os termos comuns a este aprendizado

, é essencial para que o educador conduza de forma eficiente e eficaz o assunto.

Além da quebra de pré-conceitos, inerentes à conduta do ser humano.
De acordo com a Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003, o estudo da

História da África e dos Africanos e a contribuição da cultura negra na

formação do povo brasileiro tornam-se obrigatórios no currículo escolar.

Essa lei passou a valer para todos os níveis da educação básica com a

instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico-Raciais.
O Brasil é a segunda maior nação negra do mundo e foi necessária a

criação de uma lei para que houvesse um tardio reconhecimento da

importância da cultura negra na sociedade brasileira. A implantação


desta lei não relega o papel do negro na História do Brasil como simples

escravizado e sim como um grande contribuidor do multiculturalismo que

o nosso país. Com isso, buscamos explicitar alguns conceitos que

sustentam

este trabalho.
É base para o ser humano, em seu desenvolvimento, o autoconhecimento.

De que adianta "inserir" no sujeito conhecimentos matemáticos, lingüísticos,

geográficos, científicos?, Se ela não se identifica com o meio no qual vive,

não se conhece como sujeito, não se sente integrada a sociedade.

Ela pode ser capaz e aprender os conceitos, mas não os

usará para transformar o local/ meio onde vive. Sem o autoconhecimento,

através da construção de sua identidade não forma-se cidadãos ativos

e atuantes.
A opinião do grupo no qual está inserida também conta no processo

de construção da identidade, por isso a discriminação pode ser um

fator opressor na formação do ser humano. As pessoas negras constroem

sua identidade a partir de modelos ditados pelos não-negros, que geralmente

assumem atitudes e pensamentos diferentes dos seus. A criança negra

precisa se ver como negra aprender a respeitar a imagem que tem de

si e ter modelos que confirmem essa expectativa. Sem raízes um povo

não constrói sua identidade, para o aluno "branco" descendente de

europeus é fácil construir sua identidade, pois a sociedade produz

conhecimentos

que respeitam este grupo.
Muitas vezes a escola tem o poder de valorizar, segregar,

discriminar e até eliminar a identidade negra de sala de aula.


DIVERSIDADE ÉTNICO- RACIAL:


CONSCIÊNCIA NEGRA NA SALA DE


AULA (PARTE II)


OBJETIVO GERAL
•Valorizar a cultura afro-descendente, reconhecendo a sua presença de

forma positivada nos diversos segmentos da sociedade, no que diz

respeito à literatura, arte, culinária, religião música e dança.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
•Discutir as relações raciais no ambiente escolar;
•Reconhecer e valorizar a cultura africana e afro-descendente, como

formadora da nossa cultura;
•Promover o respeito pelas várias etnias;
•Reconhecer a constante presença da marca africana na literatura,

na música, na culinária, na arquitetura, na lingüística, na criatividade

na forma de viver, de pensar, de dançar, de rezar.
ENCAMINHAMENTO:
1. Leitura e discussão do livro "Menina Bonita do Laço de Fita"

– Ana Maria Machado;
2. Montar uma paleta com massa de modelar: tons de bege e

marrom. Ir misturando as cores, como se uma cor fosse o pai e outra a mãe.

Isto permitirá que a criança perceba porque possui tal cor de pele.

Aproveite a história de Ana Maria Machado, que demonstra

nitidamente o que acontece no Brasil: a miscigenação.
3. Ter em sala de aula objetos tais como roupas, figuras, livros,

máscaras, instrumentos musicais, entre outros de origem africana.

Montar uma maleta onde esses objetos possam ser guardados e levados

para casa, para descrição. Cada dia um aluno leva a maleta, escolhe um

objeto e escreve sobre ele. No outro dia compartilhar com a turma sua

experiência e lê o que escreveu.
4.Em um sulfite, os alunos deverão desenhar como imaginam a África.Expor

os desenhos e conversar sobre eles, comparando – os com imagens de

alguns países da África, seus costumes, localização, belezas naturais etc.
5. Montar um texto coletivo sobre a África a partir destas observações e

montar um cartaz sobre a sua nova visão da África, com desenhos do que

mais gostou.
6. Contar a história "Bruna e a Galinha d´Angola": leitura, discussão oral.

Localização de Angola no mapa; característica do lugar; língua falada;

construções entre outras curiosidades. Enfatizar como na cultura africana, é

forte o respeito pelos mais velhos e suas tradições orais.
7. Confeccionar em equipe, algumas bandeiras de países africanos;

exposição das mesmas.
8. Com dobradura, construir casa africanas, pintar explorando

também as cores e as formas geométricas utilizadas por eles.

Ver casas Ndebele.
9. Em revistas, fazer uma pesquisa de figuras de personagens

negros ou afro descendentes, para conversação e montagem de

uma painel. Leitura de algumas biografias: Pelé, Mandela, Zumbi

dos Palmares.





quinta-feira, 8 de setembro de 2011

DOENÇA FALCEFORME



Assunto: VI Simpósio Brasileiro de Doença Falciforme

Estão abertas as inscrições para o VI Simpósio Brasileiro de Doença Falciforme.
O evento será realizado pelo Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará –
Hemoce em parceria com os Governos Federal, Estadual e Municipal, através do Ministério da Saúde, da Secretaria da Saúde do Estado e do Município. A forte mobilização evidencia a dimensão de interesses que a questão da doença falciforme tem alcançado tanto no Brasil quanto na comunidade internacional. O
simpósio acontecerá entre os dias 18 e 20 de outubro, no La Maison Dunas, em Fortaleza.

São esperadas cerca de mil pessoas para participar do evento, entre
profissionais de serviços de saúde do Brasil e de outros países, pesquisadores,
acadêmicos da área, representantes do controle social e gestores estaduais e
municipais. A partir das discussões realizadas, espera-se dar continuidade ao
processo de formulação de políticas públicas – não apenas no Brasil, mas também
em nível intercontinental – na atenção a esse tipo de paciente. Na
oportunidade,
o nosso país pode se consolidar ainda mais como centro de excelência em
investigação científica e na atenção a pessoas com doença falciforme.

Entre os temas que serão abordados durante o evento estão:
- Programa Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme;
- Avanços em Doença Falciforme: 100 anos após o primeiro diagnóstico;
- Abordagem multidisciplinar em Doença Falciforme;
- Auto-cuidado em Doença Falciforme;
- Teste do pezinho;
- Aspectos clínicos da Doença Falciforme no adulto e na criança;
- Novas terapias em Doença Falciforme: transplante de células-tronco e
diagnóstico e tratamento da sobrecarga de ferro em Doença Falciforme.

Os interessados em participar do Simpósio podem realizar sua inscrição no site
www.simposiofalciforme2011.com.br .

Doença Falciforme

A Doença Falciforme é uma das doenças genéticas mais comuns no mundo, causada
pela mutação no gene que produz a hemoglobina. Essa mutação teve origem no
continente africano e pode ser encontrada nas populações de várias partes do
mundo. No Brasil, devido ao grande contingente de população com ascendência
africana, a doença falciforme faz parte de um grupo de doenças e agravos
relevantes que afetam a população negra. Há 100 anos, foi conhecido o primeiro
relato científico da doença falciforme e, há cinco anos, o Ministério da Saúde,
atendendo a uma antiga reivindicação do movimento de homens e mulheres negras,
iniciou um trabalho de implementação das ações da Política Nacional de Atenção
Integral às Pessoas com Doença Falciforme
Att,

Assessoria de Comunicação
Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará - HEMOCE
Secretaria de Saúde do Estado do Ceará
Av. José Bastos, 3390 - Rodolfo Teófilo - Fortaleza CE CEP: 60440-261
Telefone: (85)3101-2308
www.hemoce.ce.gov.br e-mail:asscom@hemoce.ce.gov.br



MISSÃO: Proporcionar atendimento hemoterápico e hematológico de excelência à
população através da hemorrede estadual.



VISÃO: Ser uma instituição de excelência técnico-científica em hemoterapia e
hematologia com elevado padrão ético e compromisso com a população.

domingo, 4 de setembro de 2011

Informes sobre o 4º Congresso Nacional da UNEGRO




Nosso 4º Congresso Nacional está chegando, para tanto é fundamental nossa estruturação a partir de cada Direção Municipal, cada núcleo e por meio das plenárias regionais. Que desde já podem ser feitas conforme a disponibilidade de cada cidade/região.Estamos enviando algumas informações básicas que depois terão outros detalhes complementares, inclusive um caderno de texto para ser lido nas plenárias como contéudo dos debates entre os militantes.




1- O Congresso da UNEGRO vai acontecer dias 10 a 13 de novembro de 2011




2- Local: Brasilia – DF




3- O congresso receberá 1.000 delelagos(as) de todo o Brasil




4- A taxa de inscrição é de R$30,00 ( trinta reais) que é obrigatória




5- Tema do Congresso:” Por um projeto de desenvolvimento nacional: negros e negras compartilhando o poder




6- Rio e Janeiro terá apenas 80 vagas divididas por todas as regiões, onde serão contempladas as questões de genero, idade, diversidade regional e de setoriais.




7- Antes da realização das plenárias, cada direção municipal deverá informar o número de filiados, para o balanço estadual.




8- No Rio de Janeiro, vamos, 3(terceira) reunião da Direção Estadual para aprovar alguns encaminhamentos sobre a questão do transporte e da delegação de e Congresso Estadual




9- Para ir ao 4ºCongresso da UNEGRO é fundamental a contribuição de todos e todas para o sucesso do nosso estado, inclusive o esforço coletivo para conseguir os meios de trasnporte necessários.




10- Em breve vamos esclarecer as dúvidas.



Juventude Negra: Preconceito e Morte






Principais vítimas da violência urbana, alvos prediletos dos homicidas e dos excessos policiais, os jovens negros lideram o ranking dos que vivem em famílias consideradas pobres e dos que recebem os salários mais baixos do mercado. Eles encabeçam, também, a lista dos desempregados, dos analfabetos, dos que abandonam a escola antes de tempo e dos que têm maior defasagem escolar.



Observe-se o que dizem os números. Segundo os últimos dados disponíveis, o país conta com cerca de 11,5 milhões de jovens negros de 18 a 24 anos de idade, o que representa 6,6% da população brasileira. A taxa de analfabetismo, de 5,8%, é três vezes maior do que a observada para os jovens brancos (1,9%). Em média, os jovens negros têm dois anos a menos de estudo do que os brancos da mesma faixa etária: 7,5 anos e 9,4 anos, respectivamente. E mais: as desigualdades vão acirrando-se à medida que aumentam os níveis educacionais. Assim, por exemplo, se no ensino fundamental praticamente não se observam diferenças raciais nas proporções de crianças que vão à escola, o mesmo não ocorre nas universidades, nas quais a presença de jovens negros é relativamente bem menor do que a dos brancos. A comparação das taxas de escolarização líquida de negros e brancos é um excelente indicador de como o sistema educacional brasileiro não é capaz de combater as desigualdades raciais: a proporção de crianças de 7 a 14 anos matriculadas no ensino fundamental é de 92,7% para negros e de 95% para brancos; no entanto, somente 4,4% dos negros de 18 a 24 anos estãomatriculados em instituições de ensino superior; entre os brancos, esse percentual é cerca de quatro vezes maior, de 16,6%. No mundo do trabalho, o processo de exclusão vivido pelos jovens pretos e pardos não é diferente: maior dificuldade em encontrar uma ocupação, maior informalidade nas relações trabalhistas e menores rendimentos. Ainda segundo os dadosoficiais, em 2003, de cada dez jovens negros de 18 a 24 anos de idade, quatro encontravam-se desempregados; entre os brancos essa relação era de um para seis. Quando,finalmente, o jovem negro consegue uma ocupação, essa é, em geral, exercida de forma bem mais precária que a do branco. Cerca da metade dos brancos dessa idade possuíam carteira assinada ou eram funcionários públicos; entre os negros, essa proporção era de apenas um terço. Com isso, os jovens negros percebiam uma renda média mensal de R$ 418,47, equivalente da 63% da dos brancos da mesma idade.


A insegurança é outro terrível flagelo que afeta os jovens negros, em especial os homens; eles são os principais alvos da criminalidade violenta. Segundo estimativas da Disoc/Ipea, a partir de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), em 2000, a taxa de vítimas de homicídio de jovens negros era de 74,1 por 100 mil habitantes, bastante superior à observada para os brancos da mesma idade, de 41,8 por 100 mil habitantes. Numa equação bem conhecida, a conjugação perversa de diversos fatores, tais como racismo, pobreza, discriminação institucional e impunidade, contribui para a falência do sistema de segurança e justiça em relação à população negra. Essa relação não é fruto do acaso: distorções como a “presunção de culpabilidade” em relação aos negros resultam em ações que promovem a eliminação pura e simples dos suspeitos, violando os direitos humanos e constitucionais desses jovens. Ações que de tão recorrentes e banalizadas denunciam um processo silencioso de eliminação desse grupo da população.


Assim, quando analisados os dados referentes a condições de vida dos jovens negros, não se pode deixar de enfrentar a questão que se explicita: o amplo e diversificado leque de manifestações da discriminação racial que os atinge. De um lado, constata-se um ambiente escolar pouco hospitaleiro para os negros, que engendra a evasão ou torna a trajetória educacional mais acidentada; de outro, a grande dificuldade de inserção qualificada no mercado de trabalho. No final da linha observa-se, com estarrecimento, um quadro de genocídio. É óbvio que esse quadro não favorece a esperança, não estimula a dedicação aos estudos, não alimenta uma perspectiva otimista de futuro. Como confiar em si próprio, como acreditar na meritocracia, como avançar se, de antemão, sabe-se que o tratamento será negativamente diferenciado? O desalento, a desesperança, o não ter com quem contar atravessa o cotidiano desses jovens.


Ou seja, as distâncias que separam negros de brancos, nos campos da educação, do mercado de trabalho ou da justiça, entre outros, são resultado não somente de discriminação ocorrida no passado, da herança do período escravista, mas também de um processo ativo de preconceitos e estereótipos raciais que legitimam, diuturnamente, procedimentos discriminatórios. As conseqüências da permanência das desigualdades raciais são dramáticas para a sociedade brasileira. De um lado, naturaliza-se a participação diferenciada de brancos e negros nos vários espaços da vida social, reforçando a estigmatização sofrida pelos negros, inibindo o desenvolvimento de suas potencialidades individuais e impedindo o usufruto da cidadania por parte dessa parcela de brasileiros à qual é negada a igualdade de oportunidades que o país deve oferecer a todos. De outro lado, o processo de exclusão vivido pela população negra compromete a evolução democrática do país e a construção de uma sociedade mais coesa e justa. Tal processo de exclusão fortalece as características hierárquicas e autoritárias da sociedade e aprofunda o processo de fratura social que marca o Brasil contemporâneo (JACCOUD;BEGHIN, 2002).


O desafio que se apresenta é o de desvendar os diversos fenômenos que explicam a desigualdade racial no Brasil, procurando responder a perguntas tais como: que processos sociais estão por trás desse sistema que protagoniza a exclusão dos negros? Qual o perfil daqueles que dirigem escolas, universidades, empresas e outras instituições, públicas e privadas, nas quais os negros não são bem-vindos; ou dos que, em nome da lei, excluem e, mesmo, executam os meninos negros? O que motiva esses agentes da exclusão?


Os culpados potenciais, sobre os quais, ao longo da história, voltou-se a agressividade coletiva, foram os considerados “estrangeiros”: os viajantes, os marginais e todos aqueles que não estavam bem integrados a uma comunidade, sendo, por isso, em alguma medida, suspeitos. Observa-se no estudo de Delumeau que, ao longo dos séculos, os que mais geraram terror foram os “homens supérfluos” – essas vítimas da evolução econômica excluídas pela ação metódica dos aglutinadores de terras; trabalhadores rurais no limite da sobrevivência em razão do crescimento demográfico e das freqüentes penúrias; operários urbanos atingidos pelas recessões periódicas e pelo desemprego.


No Brasil, a população negra tem sido alvo preferencial desses ataques. Pode-se ressaltar, por exemplo, o período imediatamente posterior à abolição da escravatura, quando uma enorme massa de negros libertos invadiu as ruas do país. Tanto eles como seus antigos senhores sabiam que sua condição miserável era fruto da violência física e simbólica perpetuada por quase quatro séculos pelas elites. É possível imaginar o pânico e o terror da elite, que investiu, então, nas políticas de imigração européia, na exclusão desse contingente de pessoas do processo de industrialização que nascia, e no confinamento psiquiátrico e carcerário dos negros. Uma dimensão histórica do medo no Brasil nessa época pode ser observada num trecho de um clássico sobre relações raciais produzido por Azevedo: "toda uma série de brancos esfolados ou bemnascidos e bem-pensantes que, durante todo o século XIX, realmente temeram acabar sendo tragados pelos negros mal-nascidos e mal-pensantes" (AZEVEDO, 1987, p.


Ressalte-se, dessa forma, o medo na gênese do processo de discriminação operacionalizadonas instituições brasileiras.


Um segundo elemento motivador das políticas de exclusão é a defesa de privilégios. Nem sempre a discriminação ocorre em razão da rejeição aos negros; muitas vezes trata-se da defesa de privilégios de brancos. Como ensina Frankenberg (1995), sistemas que têm como base a diferença moldam os privilegiados tanto quanto os que são por eles oprimidos. A autora entende que, em sociedades em que há supremacia branca, os brancos se posicionam a partir de vantagens estruturais e de privilégios raciais. A sua identidade e sua visão de mundo acabam marcadas pelo lugar concreto e simbólico que ocupam na sociedade – e nem sempre estão desejosos de mudar o status quo.Assim, o medo e a defesa de privilégios podem estar na gênese de processos de estigmatizaçãode grupos. Certamente, visam legitimar a perpetuação das desigualdades, bem como a elaboração de políticas institucionais de exclusão e, até, de genocídio.


E, infelizmente, os jovens no Brasil, e em particular os negros, vêm sendo alvo desta violência institucionalizada. Uma alteração nesse quadro exigiria que o país dispusesse depolíticas específicas para a juventude com um corte racial, o que representaria o reconhecimentoda existência de um grave quadro de reprodução do racismo e um sinal de que a sociedade quer alterá-lo


fonte:políticas sociais - acompanhamento e análise 11 ago. 2005 ipea


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