UNEGRO - União de Negras e Negros Pela Igualdade. Esta organizada em de 26 estados brasileiros, e tornou-se uma referência internacional e tem cerca de mais de 12 mil filiados em todo o país. A UNEGRO DO BRASIL fundada em 14 de julho de 1988, em Salvador, por um grupo de militantes do movimento negro para articular a luta contra o racismo, a luta de classes e combater as desigualdades. Hoje, aos 33 anos de caminhada continua jovem atuante e combatente... Aqui as ações da UNEGRO RJ

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Negritude e literatura...


A visão distanciada configura-se em textos nos quais o negro ou o descendente de negro reconhecido como tal é personagem, ou em que aspectos ligados às vivências do negro na realidade histórico-cultural do Brasil se tornam assunto ou tema. Envolve, entretanto, procedimentos que, com poucas exceções, indiciam ideologias, atitudes e estereótipos da estética branca dominante.
Assim dimensionada, a matéria negra, embora só ganhe presença mais significativa a partir do século XIX, surge na literatura brasileira desde o século XVII, nos versos satíricos e demolidores de Gregório de Matos, como os do "Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os seus membros e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia", poema de que vale lembrar a seguinte passagem, a propósito, manifestamente reveladora:

Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E a maior desta loucura?... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu

Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quem são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,
Dou ao demo a gente asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos

Em "O navio negreiro", o apelo a que empunhem a bandeira da libertação é feito aos "heróis do Novo Mundo", a Andrada, o patriarca da independência brasileira, a Colombo, o descobridor da América. Zumbi nem pensar... Vejo exceções no final de "A criança" ("Amigo, eu quero o ferro da vingança"), também na última estrofe de "Bandido negro": ("Cai orvalho do sangue do escravo/Cai orvalho da face do algoz./Cresce, cresce vingança feroz"), nas associações imagísticas de "Saudação a Palmares", na vingança individualizada de Lucas, em quem o "selvagem" emerge para lavar a honra da mulher amada. Repare-se que a ênfase, nesses casos, recai sempre no ato vingativo, nunca no problema central, que seria a luta pela liberdade ou a referência a posicionamentos coletivos, isto numa época em que Palmares e outros quilombos já eram realidades.
Estamos diante de uma poesia que não foge à tônica do seu tempo, necessário dizê-lo. Apesar do seu empenho consciente e do seu entusiasmo, o poeta não consegue livrar-se, nos seus textos, das marcas profundas de uma formação desenvolvida no bojo de uma cultura escravista. O que move a sua indignação é, sobretudo, o sofrimento do negro, que ele vê como ser humano, e mais a necessidade de a nação livrar-se da mancha da escravidão. Ele, como percebeu José Guilherme Merquior, "não busca a especificidade cultural e psicológica do negro; ao contrário, assimilando-lhe o caráter aos ideais de comportamento da raça dominante, branqueia a figura moral do preto, facilitando-lhe assim a identificação simpática das plateias burguesas com os sofrimentos dos escravos"

O negro ou o mestiço de negro erotizado, sensualíssimo, objeto sexual, é uma presença que vem desde a Rita Baiana, do citado O cortiço, e mesmo do mulato Firmo, do mesmo romance, passa pelos poemas de Jorge de Lima, como "Nega Fulô", suaviza-se nos Poemas da negra (1929), de Mário de Andrade e ganha especial destaque na configuração das mulatas de Jorge Amado. A propósito, a ficção do excepcional romancista baiano contribui fortemente para a visão simpática e valorizadora de inúmeros traços da presença das manifestações ligadas ao negro na cultura brasileira, embora não consiga escapar das armadilhas do estereótipo. Basta recordar o caso do ingênuo e simples Jubiabá, do romance do mesmo nome, lançado em 1955, e da infantilizada e instintiva Gabriela, de Gabriela, cravo e canela (1958), para só citar dois exemplos. A seu favor, o fato de que, na esteira da tradição do romance realista do século passado no país, a maioria de suas estórias inserem-se no espaço da literatura-espelho e, no caso, refletem muito do comportamento brasileiro em relação às mulheres que privilegia.

Ainda na galeria do estereótipo, que não tenho pretensão de esgotar, vale assinalar a figura do negro exilado na cultura brasileira, como tem sido apontado por alguns críticos e de que um exemplo se encontra em Urucungo(1933), livro de poemas de Raul Bopp.

Propositadamente selecionei exemplos em que atuam personagens representativos da classe média urbana, da realidade rural, da marginalidade e um sertanejo carregado de folclore e de literatura popular. Todos criados por autores contemporâneos, cujos textos demonstram uma preocupação com retratar aspectos marcantes da realidade sociocultural do nosso país.

Pouco a pouco, escritores negros e descendentes de negros começam a manifestar em seus escritos o comprometimento com a etnia.

É o caso do precursor Lino Guedes (1897-1951), autor, entre outros títulos, de O canto do cisne preto (1926),Urucungo (1936) e Negro preto cor da noite (1936): sua poesia é marcadamente irônica, com alguma dose de autocomplacência e apelos de afirmação racial bem comportada. Estão no primeiro caso os seguintes versos:

Se porventura mel fosse
Não seria assim tão doce
O sorriso de Pai João
Que apesar de sofrer tanto
De ninguém, tal como um santo,
Guarda rancor ou paixão!
[...]
A lenda triste do Congo,
Criada em noites de jongo,
Quando sorria Pai João,
Aos nossos olhos desfia,
Dizendo com ironia:
– Que história linda, pois não?

Exemplo da segunda posição é o poema "Novo rumo":



"Negro preto cor da noite",
Nunca te esqueças do açoite
que cruciou tua raça.

Em nome dela somente
faze com que nossa gente
um dia gente se faça!

Negro preto, negro preto
sê tu um homem direito
como um cordel posto a prumo!

É só do teu proceder
que por certo há de nascer
a estrela do novo rumo!

Outro combatente da velha guarda é Solano Trindade (1908-1973), legitimado pela tradição literária brasileira, mas não pela matéria negra de seu texto e sim pelo posicionamento político-social; o seu poema presente na coletânea Violão de rua (1962), antologia representativa de uma das tentativas de renovação poética pós-modernista, fala que "tem gente com fome". Mas também são dele textos como, por exemplo, "Navio negreiro", onde se lêem, entre outros, os versos:


Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia...

Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência.

É importantíssima a ocupação pelos negros e seus descendentes de espaços literários e de outros espaços igualmente culturais até então timidamente freqüentados. O caminho vem sendo percorrido. Alguns resultados, poucos, têm aflorado. Importa prosseguir na busca de uma plena e insofismável representatividade, até que se torne inteiramente dispensável a presença como marca de uma diferença redutora. Afinal, literatura não tem cor.

Um afro abraço.

fonte:A questão da negritude. São Paulo, Brasiliense/ Poesia negra brasileira. Antologia. Porto Alegre,
AGE/EL/IGEL, 1992/http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000100017

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